CELEBRAR A SANTÍSSIMA TRINDADE EM TEMPOS DE PANDEMIA



 Artigo de Formação 008

Celebramos neste domingo o principal mistério da fé cristã: A Santíssima Trindade, Deus Uno e Trino. Quantos cristãos ao longo da história buscaram “compreender” esse mistério, na oração ou na linguagem... como Santo Agostinho que teria sido interpelado por uma criança, quando O meditava: “Eu te digo, é mais fácil colocar toda a água do oceano neste pequeno poço na areia do que a inteligência humana compreender os mistérios de Deus”. 

Este mistério eminente não foi criado pela Igreja, nem mesmo pela imaginação dos artistas, foi revelado por Jesus Cristo, quando falou de Si mesmo, do Pai e do Espírito Santo, como comunhão dos divinos Três, interpenetrados por um único amor, revelando um só Deus. Nesta perspectiva, Deus é família-comunhão centrada no amor que gera vida para o mundo, eternamente debruçada sobre o homem e a mulher, em união íntima com ele (a) no empenho de diminuir o mal no mundo. Um zelo amoroso, que revela Deus como o maior colaborador do ser humano, na missão de construir realidades de vida, dignidade e esperança.

Dessa forma, falar de Deus trinitário, será sempre uma busca de crescer na identificação com Ele, segundo o mandato de Jesus: “Sede santos porque o vosso Pai do céu é Santo” (Mt 5,48), cujas lições são inesgotáveis, uma vez que a Trindade é o eixo da nossa fé e a fonte de inspiração da vivência cristã. No entanto, eu gostaria de apresentar alguns elementos, que vale a pena aprofundar neste tempo de pandemia.

1. Unidade na pluralidade – individualismo não, individualidade sim. Embora as Três Pessoas divinas atuam na obra da criação, da redenção e da santificação, atribui-se a cada uma delas, cada uma dessas obras: O Pai é criador, o Filho é redentor e o Espírito Santo é santificador; mas a “individualidade” não fere a unidade. Num mundo individualista, onde o personalismo se sobrepõe ao “tu” e ao “nós”, essa forma de conceber cada Pessoa da Trindade tem muito a nos ensinar... Vale lembrar, que neste tempo pandêmico, fomos arremessados frente a frente com outras pessoas no isolamento social, e temos que “conviver” ou “suportar” o outro na sua pluralidade. Que tal alargar essa experiência na pós-pandemia? A individualidade é necessária para a descoberta constante dos dons a serem colocados a serviço da vida, enquanto o individualismo é a morte pessoal velada, em vista de uma falsa liberdade e autonomia. 

2.  O amor interliga os Três – indiferença não, compaixão sim. O Papa Francisco tem lembrado que o contrário do amor é a indiferença que mata de todas as formas e com todas as armas. Na Trindade “o Pai é o amante, o Filho é o amado e o Espírito Santo é o Amor” (Santo Agostinho); esta forma ser AMOR e de AMAR, apaga a concepção do amor humano como sentimento e o expõe como compromisso maior com a transformação das pessoas e do mundo. Um amor que não se retém, mas transborda, sai de si em forma de compaixão, libertando-nos das tendências narcisistas e das seguranças institucionais.  Neste tempo de pandemia inúmeras ações de solidariedade têm pontuado o cenário da dor. Na pós pandemia a pobreza e a miséria continuarão a gritar alto... Será preciso continuar avançando, arriscando a vida, para que a vida chegue em abundância para todos (cf. Jo 10,10).

3. Comunhão/comunidade – isolamento solitário não, partilha de vidas sim. Nosso Deus não é solidão (um), não é dois (relação egoísta), mas é Três (comunhão/comunidade). A comum – unidade não é comunitarismo, mas vida fraterna, espaço para as diferenças, liberdade, sonhos, utopias e partilha de vida; inspiração para uma relação familiar sólida e eclesialidade sinodal. Na Comunidade, a Trindade suscita a diversidade de carismas, ministérios e serviços, uma vez que ela existe para a missão. Neste tempo de flagelo, temos aprendido que há dois isolamentos lícitos: para o conhecimento de si mesmo e por necessidade e proteção; neste último vemos que o distanciamento é apenas físico e a comunhão se dá pelo coração e a alma. Um terceiro, presente na sociedade moderna é maléfico, o isolamento solitário; contrário ao evangelho, pode evoluir para inúmeras doenças e levar ao suicídio. 

4. O Eterno Três – cultura da provisoriedade não, investimento no essencial sim. A sociedade globalizada marcada pela cultura do bem-estar, do relativo e do provisório, se defronta com a Trindade, cuja identidade é fixa e perene, embora dinâmica e sempre nova. “Eu peço que vocês sejam revolucionários, que vão contra a corrente; sim, nisto peço que se rebelem: que se rebelem contra esta cultura do provisório” (Papa Francisco - encontro com voluntários da JMJ Rio 2013). Rebelar-se contra essa cultura de um contínuo êxodo, é apostar numa existência com meta, centrada no essencial, cuja identidade se constrói e reconstrói nas surpresas do cotidiano, alimentando a esperança no reino definitivo. Nessa aposta a fé e a confiança em Deus garante os passos com sentido.

Que a Santíssima Trindade, que escolheu habitar, não num céu distante, mas por excelência no coração humano, conceda-nos viver mergulhados na comunhão infinita desse amor entre os Três, acolhendo a cada dia a novidade salvífica que o Pai, o Filho e o Espírito Santo nos quiser revelar. 

Dom Amilton Manoel da Silva, CP
Bispo eleito da diocese de Guarapuava - PR

 
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